Na Sombra de um Demónio que Ainda Não Enfrentei

Exposição de António Faria

A Galeria Santa Maria Maior apresenta a exposição “Na Sombra de um Demónio que Ainda Não Enfrentei”, de António Faria. Patente até 31 de maio de 2025, esta mostra reúne um conjunto de obras em desenho que se inscrevem num território de tensão íntima entre o rigor da observação e o impulso visceral do gesto.

António Faria movimenta-se num território onde o rigor do olhar naturalista convive com a vertigem da intuição. As formas que emergem no seu trabalho não nascem da vontade de descrever o visível, mas de o revelar — como quem perscruta a matéria até que esta devolva algo do que nela permanece oculto. Não estamos perante representações: estamos, antes, perante presenças. Presenças que oscilam num estado de inquietação formal, onde o gesto não fixa, mas pulsa — insiste e persiste.

A sua assinatura não reside no nome, mas no pulso. No modo como o desenho respira, como o papel parece conter um organismo em estado de combustão. Cada obra transporta um assombro inaugural — nunca é repetição. Cada imagem é um acontecimento único, irrepetível, como se surgisse não de um gesto, mas de uma urgência anterior à própria forma. Algo que se dá a ver no exato instante em que se torna visível.

Esta exposição é, pois, um território de revelação. Cada camada desenhada é vestígio de um corpo em liturgia, de uma mão em transe. Mas aqui não há dogma— há dúvida. Há exaustão, insistência, entrega. Na sombra desse demónio — que é relação, urgência, ferida e fome —, Faria como que desenha com a carne. Não ilustra, atravessa. Move-se numa tensão viva entre o que sente e o que emerge, entre o que escapa e o que, por instantes, se fixa.

As suas obras não são imagens — são terrenos em combustão. O gesto é pura sobrevivência. A mão que o guia não se explica nem se justifica. Impõe-se. Reclama. Fala antes da linguagem. E o artista obedece — talvez porque intui que resistir seria trair a própria matéria.

Na sombra de um demónio que ainda não enfrentei não é apenas um título. É uma confissão dita em voz baixa. Um limiar. A revelação de quem caminha à beira do abismo com a lucidez de não o nomear. Aqui, o demónio é a própria obra — uma força que pulsa, uma presença que reclama corpo.
Esta exposição não pede entendimento. Pede entrega.

Como em One of Us Cannot Be Wrong, de Leonard Cohen, também na obra de António Faria não se encontram respostas fáceis. Ambos habitam uma fronteira sensível entre o som e o silêncio, o visível e o invisível. Cohen canta um abismo íntimo, uma procura sem promessa de chegada; Faria desenha essa mesma tensão: o que se revela no traço e o que permanece por dizer. Em ambos, o corpo — frágil, exposto — é a única certeza.

Rute Reimão

 

 

Galeria Santa Maria Maior > Rua da Madalena, 147
Inauguração a 8 de maio, 18h00
Patente de segunda-feira a sábado, entre as 15h00 e as 20h00, até 31 de maio
Entrada livre.