TEMPOS INCERTOS_

Séries de Auto-Retratos e Paisagem_
Desenho_Pintura_

 

TEMPOS INCERTOS_ agrega séries de auto-retratos e paisagens, materializados em desenho ou pintura, na expressão de Miguel Navas. TEMPOS INCERTOS_ é uma exposição patente na galeria de arte da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, um equipamento cultural que já se afirmou no roteiro galerístico da cidade e que é simultaneamente palco de artistas emergentes e casa de outros já afirmados no panorama artístico nacional e mesmo internacional.

A exposição TEMPOS INCERTOS_  inaugura a 2 de maio e está patente até 25 do mesmo mês, na Galeria Santa Maria Maior, em pleno coração de Lisboa.

 

Diários no rosto
Por José Sousa Machado

 

“Comigo me desavim,

Sou posto em todo o perigo;

Não posso viver comigo

Nem posso fugir de mim.

 

Com dor da gente fugia,

Antes que esta assim crescesse:

Agora já fugiria

De mim, se de mim pudesse (…)”

 

Sá de Miranda

 

É consabida a criatividade artística torrencial de Miguel Navas… espraia-se abundantemente pelos domínios do desenho, da pintura e da fotografia, a cada qual correspondendo séries temáticas específicas que se contaminam reciprocamente. As lições aprendidas no exercício de cada uma destas três disciplinas, são reutilizadas nas restantes duas, com os necessários ajustamentos.

Na actual exposição, patente na galeria de Santa Maria Maior, em Lisboa, Miguel Navas apresenta quatro séries distintas de pinturas e desenhos subordinadas ao tema do auto-retrrato – “(in)corecções”, de 2013, “Desenhos desanimados”, de 2014, “Auto-retratos (miniatura)”, de 2019 e “Auto-retratos da pandemia”, de 2020/2021 – e  algumas pinturas inéditas pertencentes à série intitulada “Uncertain smile _paisagens de um tempo incerto”, de 2020 a 2024, apresentada em Janeiro passado na Galeria Monumental.

A empatia de Miguel Navas com o auto-retrato, género que pratica quase diariamente, advém, não tanto, da necessidade irreprimível do artista se ver retratado mas, pelo contrário, porque utiliza o seu corpo, as mutações súbitas que o transformam, como suporte sobre o qual a pintura e o desenho se constroem e dão a ver, na sequência de acontecimentos ocorridos durante o dia-a-dia do artista e que motivaram e inspiraram a sua realização. A cada um destes auto-retratos corresponde uma história não verbalizada, mas desenhada ou pintada, porque vivida realmente; narrativa que se exprime através das marcas deixadas no seu rosto, no seu corpo, como numa película sensível na qual ficaram gravados os instantes, as disposições, sensações e emoções mais marcantes. O que agora se expõe é um diário do artista relatado através das suas mutações fisionómicas, uma cartografia ou mapeamento das rugas e dos rictos que alguns acontecimentos decisivos da vida de Miguel Navas inscreveram nele.

Giorgio Agamben em “Ideia da glória”, afirma, citando Cícero, que “aquilo a que nós chamamos ‘rosto’ e que não pode existir em nenhum animal, mas apenas no homem, assinala o elemento moral: este significado os Gregos não o conhecem e, por isso, lhes falta também a palavra.”

A esta consciência moral, responsável pela modulação dos traços diferenciadores de uma fisionomia, acrescenta-se, em Miguel Navas, a sua reiterada disposição desconstrutiva, perseguindo aquilo que durante a execução de uma obra pode fazer emergir o inesperado, o que vai contra a norma corrente, promovendo o acaso e as ‘supostas’ imperfeições ao estatuto de protagonistas. A conjugação destas duas qualidades confere a estes trabalhos uma aparência expressionista, torturada e obscura.

Nesta exposição, ao contrário do que é habitual, é nas pinturas verticais da série “Uncertain smile” que a metodologia adoptada pelo artista nos é esclarecida, pela depuração e redução dos meios utilizados.

Contrariamente ao aforismo de Giorgio Agamben que afirma que “um belo rosto é talvez o único lugar onde há verdadeiramente silêncio”, nos auto-retratos de Miguel Navas o carácter deixa no rosto as marcas das palavras não ditas e das intenções não realizadas.

 

Sobre o artista

Miguel Navas, Lisboa 1963

1984-1989 Curso de Arquitectura FAUL

Professor de Desenho na Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada, Lisboa (1990-2013). Professor de Desenho no curso de Arq. Paisagista da UL. (2003-2023). Doutorado pela mesma universidade em Estética da Paisagem em 2016.

Expõe desenho e pintura desde 1987. Trabalhou com as Galerias Luís Serpa/ Projectos (2001-2016) e Bloco 103 / Miguel Justino Contemporary Art (2013-2016). Atualmente trabalha com a Galeria Monumental, Lisboa. Participou em mais de quarenta exposições coletivas e dezoito individuais, com destaque para:

_Miguel Navas Uncertain Smile_Auto-retratos e Paisagem na Galeria Monumental, Lisboa 2024.

_O Fim da Paisagem, pintura e Desenho, com Miguel Mira e Manuel San-Payo, na Galeria Monumental, Lisboa 2021.

_Cem Anos Cem Artistas centenário do Partido Comunista PortugUês, Gare Marítima de Alcântara, Lisboa, 2015.

_Pedro Chorão Pinturas 2017_Miguel Navas Hors d’Oeuvres Galeria da Livraria Sá da Costa, 2019.

_terEstado, com João Jacinto, curadoria Carlos Correia, Fundação D. Luis Cascais, 2016.

_[CON]TEXTO A Arte, A Palavra E O LIVRO, curadoria Luís Serpa e Paulo Cunha e Silva, Galeria Municipal do Porto, 2015.

_Paisagens De Erros ll_De Buchenwald A Robben Island, individual de Pintura e Action-Réaction, Le Couple Plus Ancien De L’Histoire, Project Room de Pintura, ambas na Miguel Justino Contemporary Art, 2015.

_Auto-retratos/João Jacinto, Miguel Navas e Francisco Gromicho, Pavilhão 31, curadoria de Luís Serpa e Sandro Resende, 2013.

_Nunca Fui Ao Egipto, À Suíça Também Não, individual de pintura na Galeria Bloco 103, 2013.

_Aparências Privadas, Auto-Retratos de Artistas Contemporâneos da coleção (Safira & Luís) Serpa na Fundação Arpad Szenes Vieira da Silva, 2013.

_Aquilo Sou Eu_Auto-Retratos de Artistas Contemporâneos da coleção (Safira & Luís) Serpa, Fundação Carmona e Costa, 2008.

_Clareiras do Bosque_Vislumbres, individual de pintura, Sala do Veado MNHN, 2007.

_Stain Alive_Cadavre Exquis, individual de pintura, Galeria Luís Serpa/ Projetos, 2006.

_Auto-Retratos, individual de pintura, Sintra Museu de Arte Moderna-Coleção Berardo e Auto-Retratos, individual de desenho, Casa Fernando Pessoa, 2005.

Representado em coleções particulares e institucionais em Portugal e no estrangeiro.

 

Sobre a obra

(…) Miguel Navas agrupa os seus desenhos por séries. Todas elas compreendem uma série de sucessões de acontecimentos que, se quisermos, podemos apelidar de histórias. É precisamente esse encadeamento de episódios que conduzem o artista a operar de um modo em detrimento de outro.(…) Regra geral os trabalhos de Navas são originados num movimento positivo, que de seguida, é contradito por um outro que lhe faz frente (…) No que ao movimento positivo diz respeito, e ainda que não deixando de contar com os desvios à norma que se esperam de um artista que encara compulsivamente o seu trabalho, podemos dizer que Navas faz uso de meios diversos no sentido de proceder a uma primeira inscrição no papel; isto serve tanto para os auto-retratos quanto para as paisagens (…)

Partindo de um modelo que existe numa realidade outra que não a da folha de papel, o que o artista leva a cabo não é mais que uma das milhentas traduções possíveis entre o que o seu olhar apreende e a linguagem possível no plano de desenho (…) pois a nosso ver o movimento criativo estende-se do início ao fim do processo de trabalho (…) É esta a sua perpétua condição: a de devir rosto ou árvore. (…) Nas paisagens, algo de muito semelhante ocorre: se as inscrições iniciais encaminham estas obras para uma aparência que, de um modo pacífico, as aproxima de um conjunto de árvores (uma floresta?). (…)

De um modo ou de outro, nunca nada está a salvo, parece ser esta a ideia subjacente ao corpo de trabalho de Miguel Navas.

Carlos Correia in terEstado auto-retratos e paisagens de Miguel Navas e João Jacinto

Centro Cultural de Cascais, Julho-Setembro 2016

 

TEMPOS INCERTOS_
Séries de Auto-Retratos e Paisagem_
Desenho_Pintura_

Inauguração: 2 de maio, 18h00

Patente até 25 de maio, de segunda-feira a sábado, 15h00-20h00

Galeria Santa Maria Maior_Rua da Madalena, 147

Entrada gratuita